Analisando o olho humano em termos fotográficos

Olá pessoal!

Esses dias eu estive fazendo algumas pesquisas, pois tenho curiosidade de saber como o olho humando se compararia a uma câmera.

Até agora tenho obtido alguns dados preliminares:

Resolução: Numa análise, eu achei algo como 14 megapixels no sweetspot da visão (cerca de 30º). Numa outra, entre 70 e 800 megapixels no total, argumentando que o olho pode se mover rapidamente para analisar uma cena, o que não deixa de ser verdade se for analisar.
Comprimento focal: de 15.9 a 17.2 mm, dependendo da fonte.
Profundidade de campo: ? (eu sei que é baixa, mas ainda não peguei pra calcular)
Abertura: aproximadamente F/3 - F/11
Foco “macro”: essa eu não pesquisei, mas o meu é de cerca de 8 cm.
Latitude ISO: essa também não sei, mas deve ser enorme, porque num dia de sol claro podemos enxergar objetos escuros com facilidade.

Sensibilidade ISO: essa é a que tenho mais dúvida.

O mínimo achei algo como 1, o que parece razoável. Agora o máximo, num lugar fala 800.

Mas aí que está, a comparação que eu fiz: num quarto quase totalmente escuro, em que eu percebi que meu olho conseguia enxergar com qualidade razoável, enquanto minha câmera mal conseguiu metdade do nível de luminosidade com exposição de 15 segundos, F/2.8 e ISO 400 (valores máximos dela). E além disso, o olho teve muito menos ruído, embora tivesse, porque como todo mundo sabe nossa visão em ambientes escuros gera ruído bem alto.

Mas aí que está o problema: qual o tempo de exposição do olho humano? Eu não consegui nada conclusivo nisso, mas chutando algo como 1/10 s para essa situação, quer dizer que o ISO do olho seria algo como 100000? Eu sei que o tempo não é muito maior que isso, até porque ninguém precisa olhar fixamente para um objeto para aumentar a visibilidade, como numa câmera.

Achei muita coisa sobre o assunto no Google, mas o duro é saber no que confiar. Espero que mais gente se interesse sobre o assunto pra gente discutir.

Abraços,

Ricardo

Ricardo:

Estudo percepção humana há mais ou menos 25 anos (um pouco mais). Sou mestre em arquitetura pela UFRJ com trabalho a respeito disso. Um dos maiores enganos que se pode cometer é tentar entender o olho a partir da máquina fotográfica, pois o olho não é um órgão passivo como a câmera, mas essencialmente ativo.

Essa atividade é tal, e sua ação perceptiva é de tal modo significada, que toda comparação com câmeras mais obscurece o entendimento que o amplia.

A questão é a seguinte: uma câmera captura um determinado campo, desde que esteja voltado para ele. Haverá coisas em foco, outras não, mas tudo para o que estiver apontada a câmera sairá na foto em posições relativamente “coerentes”, digamos assim. As lentes são projetadas para simular o melhor possível não exatamente a visão humana, mas a perspectiva cônica. Porque? Porque a perspectiva cônica é matematicamente e conceitualmente perfeita, enquanto a visão humana tem enormes aberrações esféricas. Embora convencionalmente achemos crível o espaço representado pelos pintores renascentistas, que nada mais é do que o espaço da perspectiva cônica, nossa visão não funciona assim. Ela funciona com uma lente de enorme aberração, foco curto e nitidez somente numa parte mínima.

O que acontece é que a representação do espaço tornou-se, a partir do Renascimento, uma representação onde o “verdadeiro espaço” passou a ser um espaço matemático, e esse espaço é euclidiano/cartesiano, isto é, isotrópico.

O que é tal espaço isotrópico? Para nós pel parece muito natural, mas é meramente uma convenção cultural sem correspondência no real. O espaço isotrópico é uma grade tridimensional cartesiana. Só esse espaço pode ser vertido para a perspectiva cônica, que pode ser definida como “espaço cartesiano ao qual se aplica um ponto de fuga”. As lentes são feitas para capturar essa grade sem deformá-la. Isso é uma lente de boa qualidade: não aquela que captura o mundo como nosso olhar, mas aquela que o captura de acordo com a matemática euclidiana.

Porém o olho não funciona assim. O olho funciona integrando diversos padrões reconhecidos num mesmo quadro. Se usarmos um eye-tracker para acompanhar um olho quando observa uma construção, por exemplo, veremos que ele realiza uma rotina escrutinatória induzida pela própria forma que está sendo examinada. Se dá certo, ele “reconhece” a coisa. Isso é muito rápido, e ele escrutina todo o quadro, e ao fazê-lo a pupila se abre e se fecha, os múlculos o achatam ou o tornam menos achatado variando o foco, etc, e o “quadro” formado não é formado de uma só visada, como na câmera, mas de uma integração mental de uma infinidade de instantes, de uma enorme quantidade de atos escrutinatórios.

O Olhar é basicamente interativo, ou, no dizer do Edgar Morim, “complexo”. Isso é tão defindior do olhar que compará-lo à câmera somente elide sua complexidade.

Na câmera, o sensor é passivo. Toda a luz que nele incide é registrada. No olho o sensor é ativo. Ele é tecido neurológico que se ativa ou se inibe independentemente, ou com certa independência, da imagem que se formaria. Mais que isso, o sensor e os músculos que comandam o foco e o direcionamento interegem todo o tempo “procurando significado”. Olhar não é uma atividade do olho. É uma atividade mental que usa o olho.

Bem, essa conversa poderia continuar indefinidamente, mas só para você ver que ainda há muito por dizer, pegue tudo o já dito, toda essa complexidade, e multiplique por dois, pois já não é mais um olho só funcionando, mas a integração de duas informações, com paralaxe, convergência, etc.

Deu para entender?

Além disto, a adaptação a ambientes escuros pelo olho pode demorar até 30 minutos para a máxima “potência”. Quando voce entra no cinema com a luz apagada não enxerga nada e depois de alguns segundos começa a ver as coisas e antes de terminar o filme voce está vendo tudo.

O mais bonito disso tudo é como o cérebro configura nossa visão.
É algo absolutamente fantástico, uma experiência simples consiste em pegar um monitor convencional e usá-lo a vida toda, quando vc pegar um monitor plano seu cérebro tenderá a vê-lo afundado por um bom tempo, até ele reaprender a forma de ver e interpretar o novo objeto (que se assemelha muito com o antigo), é maravilhoso como nossa visão é altamente complexa. :slight_smile:
Fora o delicado fato de o olho ver com maior definição no centro e com maior sensibilidade nas periferias (devido a distribuição dos cones e bastonetes). :slight_smile:
Nos cantos temos imagens mais lavadas e com menor definição, porém bem mais sensíveis à luz :wink:

Pois é, Leo. Por isso essa tentativa de comparação é sempre problemática, embora no caso do Ricardo a curiosidade e o ímpeto de compreender sejam louváveis.

A sensibilidade maior periférica provavelmente é uma vantagem seletiva, pois as ameaças penetram no campo visual através das bordas, de modo que essa seletividade maior pode permitir ao organismo mudar rapidamente a hierarquia de análise de campo quando uma variação luminosa acontece nessas bordas. Não precisa focar, basta perceber a alteração de luminosidade indicadora de mudança de contexto. Pode servir como um “sinal de alerta”. Toda a análise de campo que constitui o olhar é hierarquizada, significada, e isso é tão necessário quanto o oposto, isto é, a insurgência de alterações de campo ainda não significadas a merecerem atenção.

Nossa, que aula, não sei nem o que comentar depois disso.

Bom, mas vamos lá: Ivan, se o olho tem tanta aberração esférica, como vemos “normal”? É o cérebro corrige isso?

Isso de demorar pra se adaptar é verdade, tanto que testei o ISO do meu olho logo que acordei, pra ter sensibilidade máxima.

E realmente Leo, isso é uma coisa que eu também percebi, foi muito estranho usar meu monitor durante algum tempo, parecia que a tela era côncava.

Essa sensibilidade maior nas bordas é algo que não sabia, nunca percebi.

Quanto mais se aprende mais se surpreende, é incrível a complexidade do seres vivos.

Ricardo:

Vemos normal porque nossa visão é hierarquizada, isto é, só o que é importante é assumido pelo cérebro como visto. Vemos “normal” porque á mente integra várias percepções, cada uma delas focada, de diferentes pedaços do quadro é faz um, digamos, “mosaico” de todas as partes onde foi feito foco, e “esquece” as partes onde não foi feito.

Agora, o que é ver “normal”? O engraçado é que você está chamando de “normal” exatamente o que não é nada normal e sim convencional. Você está chamando de normal a visão corrigida para os parâmetros da perspectiva cônica, e não a verdadeira visão.

O grande obstáculo para estudar a percepção humana é exatamente esse: Nossa declaração sobre a forma como percebemos é “mentirosa”, isto é, é uma interpretação pautada por referências sociais (convenções). Para estudar a percepção é preciso separar a convenção da percepção.

Veja que não usei a palavra cérebro, e sim mente. Há uma diferença entre as duas coisas, pois o cérebro é biológico e a mente um somatório de experiências e treinamentos. Quem faz a integração das percepções fugazes num quadro coerente com as expectativas são os treinamentos perceptuais.

Pessoal, gostei do assunto e queria jogar mais lenha na fogueira…

Sobre a sensibilidade periférica maior, bom isso é uma característica de animal caçador, e tb tm a ver com o fato dos nossos cones serem bastonetes modificados, ou seja mamíferos em teoria não enxergam bem cores e necessitam de alta quantidade de luz pra isso. A disposição de conese bastonetes então, reflete a opção evolutiva, como ditop antes.

mas se comparado com outros animais, enxergamos muito mal, aves (corujas em especial) possuem uma sensibilidade a luz muito maior e uma definição assustadora, possuindo a melhor visão do reino animal - sei que é errado falar, mas se fosse falar em iso, o das corjas seria uma variação de iso muito baixo a um iso muito alto com ruído quase zero). Répteis em geral (excluindo cobras), também enxergam com mais definição do que a gente.

E uma curiosidade do reino animal, nosso olho é praticamente igual ao olho de uma lula.

Agora entrando na viagem do tópico, talvez as câmeras digitais tenham mais a ver com os olhos compostos dos insetos, onde cada olho capta uma parte da imagem (se eu entendi o esquema do sensor, ele não funciona assim? se um pixel não funciona fica um ponto claro somente nele?)

Mas sei que é viagem… rs gostei do tema, dá pra discutir muita coisa em cima disso, até mesmo as cores que a gente capta e a que os outros seres captam… pensando em técnicas de fotografia e uso das cores.

Gostei da explicação Ivan, agora as partes estão se encaixando. Como eu nunca pesquisei nada sobre o assunto, achei que fosse bem mais simples.

Também achei interessante a visão de um biólogo, já estava imaginando quanto tempo demoraria para o Alex entrar aqui e melhorar ainda mais o nível da discussão.

Aproveitando seu conhecimento, uma pergunta, eu tenho dúvidas sobre isso: a visão dos gatos tem maior ou menor definição que a dos humanos? Eu já tinha lido que era maior, mas uns tempos atrás eu vi na TV um programa que falava que a definição é menor com luz clara, mas a sensibilidade é maior (algo como 6x maior se não me engano). Afinal, o que é certo?

(me desviei um pouco do assunto, mas tá valendo hehe)

Ricardo, felinos em geral tem melhor definição com pouca luz e possuem maior perda de capacidade visual em alta iluminação(~exclua algumas espécies de áreas abertas).

Eles possuem um sistema que otimiza a luz que chega ao olho (dá pra perceber que o olho dos gatos brilha no escuro (o sistema nem dá pra explicar aqui, mas se quiser mais detalhes até descrevo depois), na verdade qualquer animal de mata fechada e noturno possui uma pequena perda da capacidade visual ao ir pra um lugar muito claro, a excessão são as corujas, mas elas tem um sistema bem diferente.

Ricardo:

Há um artista plástico inglês chamado David Hockney. Além da maioria das coisas que faz, pinturas, colagens, etc, ele tem alguns trabalhos em mosaico de fotografias, e esses trabalhos são muito mais próximos do que é o escrutínio “vivo” de um campo do que a foto tradicional. O melhor dos exemplos dele é um cruzamento em uma estrada californiana.

Ele tirou, sei lá, talvez umas cinqüenta fotos. Mas ele não as tirou exatamente da mesma posição nem do mesmo ângulo, mas se deslocou para pegar melhor a placa de atenção, etc. Depois fez a colagem, dando coerência a essas imagens angularmente incoerentes. O que acontece? Acontece que na colagem do Hockney as coisas são retratadas segundo sua imporância (hierarquia para a sobrevivência) e não segundo sua posição no espaço perspectivado, da mesma maneira que a mente faz.

É interessante, nós que há 500 anos estamos convencidos de ser o espaço geométrico “verdadeiro”, termos de nos descondicionar dessa convicção e assim podermos examinar o que é verdadeiramente o espaço percebido, algo completamente diferente.

Ivan

Incrível !
Parabéns galera !!

Eu acho particularmente interessante a percepção de cores, como ela é influenciada pelo ambiente. Por exemplo, nesta imagem abaixo quantos tons de verde existem?

http://img201.echo.cx/img201/351/cores8ic.gif

Quem quiser baixar a imagem e ampliar vai ver que o verde é igual, mas a sua percepção é influenciada pelas cores em volta, o preto e o branco, que fazem o tom parecer diferente. Uma espécie de white balance automático pelo cérebro.

Ricardo:

Há um artista plástico inglês chamado David Hockney. Além da maioria das coisas que faz, pinturas, colagens, etc, ele tem alguns trabalhos em mosaico de fotografias, e esses trabalhos são muito mais próximos do que é o escrutínio “vivo” de um campo do que a foto tradicional. O melhor dos exemplos dele é um cruzamento em uma estrada californiana.

Ele tirou, sei lá, talvez umas cinqüenta fotos. Mas ele não as tirou exatamente da mesma posição nem do mesmo ângulo, mas se deslocou para pegar melhor a placa de atenção, etc. Depois fez a colagem, dando coerência a essas imagens angularmente incoerentes. O que acontece? Acontece que na colagem do Hockney as coisas são retratadas segundo sua imporância (hierarquia para a sobrevivência) e não segundo sua posição no espaço perspectivado, da mesma maneira que a mente faz.

É interessante, nós que há 500 anos estamos convencidos de ser o espaço geométrico “verdadeiro”, termos de nos descondicionar dessa convicção e assim podermos examinar o que é verdadeiramente o espaço percebido, algo completamente diferente.

Ivan


Ivan, fiquei curioso para ver o trabalho desse artista, tem algum site onde eu possa ver estes trabalhos?

Alex, obrigado pela explicação, eu resolvi pesquisar um pouquinho sobre os gatos, e o que eu entendi é o que eu já tinha lido, basicamente a luz que não foi captada pela retina é refletida numa camada especial e volta para ela, assim ele consegue captar mais luz, é isso mesmo?

Ivan, achei essa foto que você disse, simplesmente surpreendente. Pra Leo e outros que quiserem ver: http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/hockney/hockney.pearblossom-highway.jpg

Aqui tem outras fotos: David Hockney – Artwork & Bio of the British Painter – Artchive

Essa também achei muito interessante: http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/hockney/hockney.furstenberg-paris.jpg

E agora mais um exemplo de como a visão pode enganar, eu achei difícil de acreditar, mas eu isolei as cores pra ver e é verdade:

Ricardo e Leo:

Vejam a colagem do Hockney (aliás, um dos artistas contemporâneos mais importantes, com um pensamento muito interessante sobre a fotografia figital, que segundo ele “está voltando a ser pintura”). Ela dá conta de como o olho comoõe uma cena a partir de uma infinidade de visadas. Vejam que as coisas não têm todas o mesmo tamanho, o que indicaria ele ter permanecido na mesma posição. Ao contrário, as coisas variam de tamanho, como se pode ver na placa com duas setas opostas onde há um pedaço menor embaixo e outro maior em cima. No funco há uma placa de STOP que nitidamente foi fotografada frontalmente para ter sua importância devida (é a placa mais importante, não é?) e depois montada na posição convencional. Vejam o poste do fundo, também um atrator da vista que numa perspectiva normal seria pequeno, mas no exame interpretado da paisagem tem importância e marca a visão. Na colagem as coisas são balanceadas pela ordem de pregnância para a percepção visual, e não conforme faria uma câmera fotográfica.

O exemplo acima, REicardo, onde os dois cinzas são iguais e os vemos diferentes, é uma eloqüente demonstração de como é a mente, a interpretação que produz nossa idéia do que é visto. A Câmera fotográfica não se enganaria, os cinzas seriam iguais e pronto. Mas, aí uma questão: quem é que se engana afinal? A máquina ou o olho? Bem, o olho/mente interpreta para nos permitir entender o mundo, e para isso é preciso fazer esses ajustes. Ele não se engana. Engano é pensar que existe uma maneira certa de representar o mundo. Não há. Cada maneira permite evidenciar algumas coisas e oculta outras, e cada maneira é mais adequada a uma cultura, a uma época, a alguém.

Os artistas da POP ART como o Hockney são especialmente atentos a isso, pois sempre estiveram cercados de imagens da midia. As chamadas ilusões de ótica não são ilusões coisa nenhuma, mas simplesmente quadros visuais que permitem dupla leitura.

Aliás, proponho uma brincadeira:
QUE TAL FAZERMOS UMA COLAGEM “A LÁ HOCKNEY”? Cada um faz a sua e inauguramos um tópico para msotrá-las la na sala de exibição de imagens… O que acham? Um termendo exercício de descondicionamento do olhar.

Ivan, achei legal a proposta… quem sabe uma hora eu consiga fazer o que vc propôs…

Ricardo, é realmente assim, algumas aves tb têm essa estrutura, que nelas é conhecida como pécten (achoq ue nos atos tb, mas como trabalho com aves só posso garantir pra elas).

Seria interessante tb fazer alguns trabalhos, tentando puxar as cores pra como outros seres enxergam, será que tem alguma forma de puxar as cores asssim? gostaria de fazer alguns testes, dariam uma idéia bem mais segura de coisas como polinização, cor de advertência e tudo mais.

Gostei muito do tópico…rs me sinto em casa discutindo…

Alex é só tentar descrever como os outros animais enxergam.

Quanto a percepção variável do olho humano, que é influenciada por hábitos, e até mesmo fatores naturais cai até naquela questão do ponto de ouro que discutimos no workshop, lembram? Os orientais vão ler uma foto diferente de um ocidental, pois durante toda sua vida foram condicionados a dar atenção a pontos diferentes dos nossos, diversos fatores vão influenciar nossa percepção do mundo.
A questão é que não vemos com os olhos e sim com a mente, a nossa percepção é toda fruto de um processamento da mente, não temos idéia se a forma que percebemos o mundo é a forma com a qual qualquer outra pessoa o percebe. Nosso cérebro é uma máquina incrível e mesmo os outros sentidos vão influenciar radicalmente nossa percepção visual, nossa percepção visual é um emaranhado de conhecimentos e idéias pré adquiridos, somados a uma diversidade de fatores externos que estão sendo absorvidos pelos demais sentidos.

Uma coisa muito interessante que aconteceu comigo outro dia. eu estava chegando em casa e tinha um cubo de madeira bruta enorme na porta da minha casa, estava bastante escuro (iluminação pública de mercúrio é péssima), eu vi o toco, mas não reconheci se tratar de madeira, achei que era pedra sabão, me aproximei (ainda sem reconhecer) e toquei o toco, o mais incrível é que depois disso eu passei a ver claramente que se tratava de madeira, foi algo incrível, o meu tato praticamente reprogramou minha visão para interpretar aquele objeto como madeira, eu entrei em casa pensando como isso podia acontecer e me dei conta que isso ocorre com uma freqüência incrível.
Estamos sempre reprogramando nossos sentidos e suas prioridades, estamos sempre reajustando nossa forma de sentir o mundo, ou seja, ela é totalmente influenciada por nossas experiências, pela interação dos sentidos, pelos padrões culturais aos quais vc é submetido e dai pra cima…
Estou gostando muito desse papo está sendo uma troca de experiências maravilhosa. :slight_smile:

Leo, essa história de reprogramar tem a ver com o fato de que os sentidos trabalham em conjunto, a sua resposta nunca é dependente apenasde um sentido…, pode ver que quando vc mostra uma foto pra alguém, as pessoas vão logo querendo passar a mão (principalmente crianças).

A gente não consegue isolar, o legal é que cada sentido te dá sensações bem diferentes… basta perceber que se vc tocar no seu olho fechado verá pontos luminosos, se vc tocar em seu ouvido, ouvirá sons e assim por diante…

Quando falei dos animais, é pq cada espécie tem um espectro de absorção de luz diferente, então os comprimentos de onda visíveis são bem diferentes, beija-flroes tem um espectro mais largo que o nosso tanto pro que chamamos UV e IF, insetos tem um espectro que pegam com facilidade UV, isso muda a forma como eles enxergam e são atraídos por plantas, por exemplo.

Leo;
Gostei da sua experiência. Fotógrafos são um bicho interessante, que presta atenção no seu olho, ao contrário dos demais que acham tudo muito natural.

Permiti-me aqui colar uma crônica que escrevi há uns anos atrás. Divirtam-se, ou a usem para pegar no sono -risos


Vôo Cego

Ivan de Almeida
Publicado no Mal Crônico em 24 de março de 2003.

Tudo é tato. Tu-de-ta-to. O som é táctil. Ouvir é tato. Ver também, embora não pareça. Somos como amebas, explorando os arredores com pseudópodes. Para visualizar isso, imagine que você ficasse na cama, decúbito dorsal, movendo-se como se movem as dançarinas no balé-aquático, pernas pra lá, braços-antenas explorando tudo, e mesmo o olhar, vagante, seria parte dessa coreografia hídrica. Cada pseudópode encontraria alguma coisa e nesse encontro dela saberia. Tanto se dá, no entanto, que não fique deitado, mas ande, sente em cadeiras com rodinhas, dirija, troque as marchas. Tudetato assim mesmo.

Mas aí, ameba, fantasio conhecer uma realidade que É. Essas explorações pseudopódicas, por constantemente treinadas, por repetidas quase iguais, sempre me trazem o mesmo, encontram as mesmas coisas, e disso achar ser o real fixo é um pulo. É sempre no mesmo lugar onde se queda minha visão, é sempre da mesma forma que ouço, no meio do barulho, a campainha. Só às vezes é diferente, mas tão poucas vezes que quase não deixam rastro na memória. Uma ocasião, por exemplo, quieto e deitado no sofá, antenas acalmadas, ouvi meu coração batendo. Aí já é um tato interior, o pulsar sanguíneo nos tímpanos. Isso também pode ser percebido na visão, onde, se prestamos bastante atenção, conseguimos flagrar as oscilações da realidade a cada sístole ou diástole, o globo ocular pulsando e tudo tremendo ao ritmo cardíaco. De qualquer maneira, se o mundo é igual ou se movemos sempre do mesmo modo nossas antenas, é boa discussão para dia frio, garrafa de vinho encorpado e certa preguiça, falar pausado e interrompido por boas doses de silêncio -já então visualizo conversar sobre isso na serra, chovendo, como agora está aqui neste Rio de Janeiro, tomando uma espessa sopa bem quente de inhame com alho.

Não nos supomos às cegas ou tateando de forma mais ou menos arbitrária o haver que está lá fora. Imaginamo-nos “no controle”, senhores dos movimentos, das ações, dos reconhecimentos, certos e seguros de sabermos distinguir cada coisa, e que cada coisa sempre é ela mesma. Isso não é bem assim, deve ser dito. Certa vez um solzinho de fim de tarde iluminava uma poltrona azul na minha sala –em outra sala, de outro lugar onde morei-, e eu estava sentado, olhando para ela. Então, percebi uma mancha molhada no estofado. Nada acontecera que o justificasse. Não chovera, ninguém derramara água, aliás, eu estava sozinho e não havia ninguém que o pudesse ter feito. Observei a nódoa. Intrigou-me. Olhei e olhei em busca daquela água responsável pela mancha escura no azul do tecido. Não deveria estar ali, mas estava.

Não levantei para verificar logo. Indolente, sonolento, permaneci sentado, meio jogado, hipnotizado por uma umidade que não deveria haver. Quanto tempo? Não sei, talvez três, talvez cinco ou sete minutos, talvez mais. Deu para pensar no assunto. Levantei-me por fim. Passei a mão na almofada. Seca. O escuro era sombra e não molhado. Uma folha de uma planta (lembro-me de um bambu, mas não acredito que tenha sido, pois afinal o bambu produz sombras fáceis de reconhecer, as lâminas pontiagudas da projeção das folhas). Enganara-me. Sentei-me novamente e já não via o molhado, via a sombra. O que “É” havia mudado. Fora úmido alguma vez? Depois passara a ser sombra? Talvez, mas…, e se eu não me levantasse? Se o telefone tocasse e me distraísse, outro fato se interpusesse e eu esquecesse a almofada? Seria úmida ou seca? Seria sombra?

E há campos nos quais o tatear sequer nos dá ilusão de segurança. Família, amigos, conhecidos, próximos. Como sentem, como reagem? Se penso conhecer a Realidade da mesa da sala, mesmo filosofando não sabê-la de verdade, é certo que sei muito bem o quão pouco conheço dos outros humanos. Entre eles, vôo cego. Entre eles, fantasias e imaginação. Entre eles, emoções.