O texto que segue foi elaborado por mim a partir de trechos de conversas que já tive aqui e em outros fóruns, com o acréscimo de mais algumas coisas que venho pensando ultimamente sobre as características e especificidades da fotografia de espetáculos. Espero que gostem.
Reflexões sobre a fotografia de espetáculos
O presente texto não tem a pretensão de ser uma palavra definitiva sobre a fotografia de espetáculos, mas apenas de compartilhar, com aqueles que tiverem interesse no tema, algumas idéias que me parecem centrais nesse ramo da fotografia. Não se trata de uma “aula”, nem tampouco de uma “receita” sobre como deve ser feito este trabalho, mas de compartilhar alguns princípios, alguns fundamentos que eu considero importantes quando se pensa em fotografar um espetáculo, seja ele dança, show ou teatro.
Inicialmente gostaria de destacar que, quando comparada a outras modalidades, como estúdio e publicidade, por exemplo, a fotografia de espetáculos me parece uma fotografia menos “exata”, menos previsível e mais subjetiva. Também é uma fotografia onde nos encontramos fortemente submetidos às condições de trabalho oferecidas pelo ambiente e pelos profissionais envolvidos, e nossas escolhas são sempre balizadas por aquilo que temos diante de nós (o espaço, a distribuição e o tipo de público, as características dos artistas, a iluminação, etc.). Estamos trabalhando em conjunto com a produção, os artistas, o iluminador, o ambiente e o público; ou seja, de antemão, temos um trabalho que não depende só de nós, da nossa capacidade enquanto fotógrafos e do nosso equipamento. Cada um tem seu papel, e todos precisam trabalhar bem para que os melhores resultados apareçam.
Mas no que consistiriam esses “melhores resultados”? Pra mim, na fotografia de espetáculos nós temos que encontrar uma linguagem que dê conta do “clima” de cada apresentação específica e que se relacione bem com o ambiente proposto pela produção (vista aqui no conjunto palco+iluminação+artistas+estilo, tipo de som, performance, etc). É aí que entra a subjetividade de cada um, a sensibilidade que teremos ou não para captar a essência do que está sendo proposto e assim fotografar em harmonia com o conjunto do espetáculo. Ou seja, para fazer “aquele” show, “aquela” cobertura fotográfica marcante, há um conjunto de coisas que precisam “funcionar” bem na hora, no instante exato da apresentação, e nem todas estão dentro das nossas possibilidades de controle racional e planejamento.
Mas não termina aí: captando a idéia-chave do espetáculo e estabelecendo uma linguagem adequada, temos também que dar uma contribuição “nossa”. Devemos propor, em termos fotográficos, abordagens e interpretações das cenas que constituam não um mero “registro”, mas um depoimento, uma “interferência” do fotógrafo naquele espetáculo específico. Aí entram coisas genéricas e de difícil mensuração e controle exato, como criatividade, sagacidade (no sentido de perceber rapidamente a importância de uma cena e o momento exato em que deve ser clicada, por exemplo) e maturidade no tema. É nesse campo, na esfera da abordagem criativa, que o fotógrafo vai encontrar (ou não) a sua “marca”, a sua especificidade, em suma, aquilo que fará a diferença entre ele e os outros profissionais da área.
Uma outra questão que considero importante diz respeito à relação entre o fotógrafo e o público presente no espetáculo. Na minha visão, o fotógrafo que trabalha em shows, teatro, dança, etc, precisa em primeiro lugar ter um profundo respeito pelos artistas que estão no palco, pela proposta do espetáculo e pelo público que pagou ingresso e saiu de casa para assisti-lo. Nesse sentido, se os “silêncios” são importantes na constituição do que está sendo apresentado (e, se eles existem, é porque o são), devem ser respeitados na medida do possível.
Já tive algumas experiências assim e procuro fazer da seguinte forma: em primeiro lugar, respeito o silêncio e não fotografo; entretanto, se há muitos espaços de silêncio com cenas importantes para a fotografia, faço apenas um ou dois cliques na cena, e escolho bem qual é o silêncio que vou “atrapalhar”, tentando causar a mínima interferência possível. Aí entra a importância da concentração e precisão técnica: fazendo apenas um ou dois cliques de uma determinada cena, devemos ter máxima atenção na fotometria, composição e velocidade de disparo, pois a foto tem que ser “certeira”.
Geralmente dá pra conciliar uma fotografia mais “solta” nos momentos em que o barulho do obturador não atrapalha a cena e o público com um ou dois cliques pontuais em uma ou outra cena de silêncio. Mas se a peça for totalmente silenciosa, ou o silêncio for muito preponderante na apresentação, o ideal é fazer uma apresentação só para a fotografia, sem público.
Da mesma forma que não devemos atrapalhar a apresentação com cliques em momentos indesejados, também não devemos atrapalhar o público com a nossa movimentação. Devemos, sim, andar sempre em busca de novos ângulos, mas isso deve ser feito sem atrapalhar aos presentes. Se vai fotografar na “boca do palco” em um teatro, por exemplo, fique bem abaixado; se precisa atravessar de um lado para o outro, passando na frente do público, também ande abaixado e fazendo o mínimo de barulho possível. Tais atitudes demonstram profissionalismo e respeito aos demais, e isso é fundamental.
Na minha visão, os parágrafos escritos até aqui constituem aquilo que é a essência dessa fotografia, os princípios básicos sobre o que se espera de um profissional que deseja trabalhar com fotografia de espetáculos. Entretanto, gostaria também de tecer alguns comentários gerais sobre equipamentos e configurações apropriadas para tal tipo de trabalho.
Em termos de equipamento, é necessário ter objetivas “claras”, com abertura de f/2.8 pra cima. Eu trabalho com uma 17-55mm (em digital com crop 1,6) para as tomadas gerais e composições mais abertas, e uma 70-200 para detalhes e closes dos artistas. Em termos de câmeras, é bom ter uma com boa qualidade em iso 1600 e, se possível, iso 3200 também (estou falando de digitais). Se a pretensão é trabalhar mesmo na área, recomendo ter duas câmeras, uma com uma GA/meia-tele e outra com uma tele, pois isso agiliza muito o trabalho e diminui a margem de erro por perda de momentos importantes do espetáculo (e que não se repetem ao longo da apresentação). Ter duas câmeras também dá mais segurança de que o trabalho será realizado e entregue conforme o combinado, pois se uma das câmeras resolver pifar, temos a outra para garantir.
Mas qual é o razão de termos lentes “claras” e câmeras com boa qualidade em iso alto? Em fotografia de espetáculos, o comando básico é a velocidade. Regulando a velocidade você controla como será feito o registro da movimentação e expressão dos artistas, e isso é o fundamental. Como geralmente as condições de luz não são favoráveis ao uso de velocidades altas, é preciso ter uma boa abertura do diafragma e uma alta sensibilidade iso para possibilitar uma margem mais ampla no controle da velocidade do obturador. Tendo isso em mente, o fotógrafo deve analisar qual é a menor velocidade exigida para congelar os movimentos e expressões dos artistas (e isso varia de acordo com o tipo do espetáculo e estilo dos artistas), e a partir daí ajustar os demais comandos da câmera.
Partindo desse princípio, o fotômetro nem sempre deve ser “respeitado”. Se a luz for ruim, não adianta ele indicar, por exemplo, iso 1600, f/2.8 (se esta for a maior abertura da sua lente) e velocidade 1/15 em uma apresentação de ballet, pois vai sair tudo borrado, com posições coreográficas mal definidas, pés e mãos “arrastados”, etc. Nesse caso, a opção deve ser sempre pela velocidade mínima de segurança para congelar os movimentos, deixando para fazer depois as devidas compensações na exposição (nem que precise “puxar o iso” na conversão). Velocidade baixa, nesse tipo de fotografia, só mesmo para efeitos.
Acredito que enquanto idéias gerais, enquanto reflexões sobre a fotografia de espetáculos, este pequeno artigo pode ser útil para quem está começando na área – como é o meu caso – e também servir como ponto de partida para diálogos com quem já possui experiência e que, a partir da sua trajetória particular, pode concordar ou discordar das idéias expressas aqui. Sintam-se, portanto, à vontade para questionar, discordar ou fazer observações complementares ao texto.
Bruno Gomes, 02/06/2007.