Jornalista - Mas é verdade que a fotografia não o interessa?
C. Bresson - Ela em si, o seu processo, não me interessa. O que me importa é a vida e o meio imediato de transcrevê-la. A máquina fotográfica é um caderno de croqui, é o desenho imediato, com a sensibilidade, a surpresa, o subconsciente, o gosto pela forma.
Jornalista - O que incomoda na fotografia é uma certa facilidade técnica.
C. Bresson - A técnica, em si, não existe. Mas é verdade que a fotografia é fácil demais e é preciso que adaptemos a técnica àquilo que queremos. Fotografia não se aprende. Por isso, digo que sou contra as escolas de fotografia, acho mesmo desonesto. Hoje com o filme 400 ASA, os problemas de luz não existem mais, só conta a experiência. É preciso adivinhar e depois, se não estamos seguros, basta verificar. O aprendizado, o contato excessivo com a máquina é a preguiça do olho, ele fica atrofiado. Não precisamos nem de célula fotoelétrica, o olhar é suficiente para saber quando a luz muda…Espero nunca ver o dia em que as lojas de equipamentos fotográficos vendam esquemas geométricos para colocarmos nos visores de nossas câmaras; ou a “Regra dos Terços” colada nos nossos óculos.
Achei legal porque isso nos estimula a esquecer um pouco a intensiva busca pelo equipamento perfeito , ex. essa guerra de nikon x canon.
E mostra oq vale mesmo , eh o momento , a sensibilidade , a composicao etc :]
“regra dos tercos colada nos nossos oculos” realmente nao existe , mas no visor da camera ja tem : [ …
Uma das coisas que eu já aprendi é que fotografia não faz parte de “exatas”. Se fosse o caso o número de fotos sensacionais que veríamos seria muito maior
Fotografia é “humanas”. Quem fotografa é você, não a máquina.
Por isso acho divertido quando vejo aquelas discussões a minha cámera faz isso, a minha faz aquilo, a minha é melhor que a sua, minhas lentes são top, gente que gasta o que não tem numa lente L, por exempplo, pra fotografar o cachorro no quintal e revelar 10x15 num laboratório de 1 hora…
Na verdade é mais triste do que divertido. É um problema conceitual. Infelizmente a maioria das pessoas não usa fotografia como uma forma de expressão ou para registrar a sua visão do mundo. O que se vê é gente seduzida pelo fascinante mundo dos equipamentos fotográficos - que realmente são muito sedutores por si só - e muitas fotos dejà vu, réplicas de boas fotos que você já cansou de ver por aí.
Há também os técnicos de plantão, profundos conhecedores da toda e qualquer referência técnica sobre os mais obscuros meandros do processo fotográfico cujas imagens são… técnicas. Tem um forum americano que frequento sempre que tenho uma dúvida técnica que é bem assim, os caras manjam TUDO, mas as fotos são lamentáveis.
Isso acontece com todos nós numa determinada fase do nosso envolvimento com fotografia. Acho até importante, faz parte do processo de aprendizado e do conhecimento. Mas o mais importante é não ficar nisso, não se perder no deslumbre do equipamento ou na mistificação da técnica.
Fotografia depende do seu olhar, da sua visão. Depende da sua CULTURA fotográfica, da EDUCAÇÃO do seu olhar e de uma boa dose de INCONFORMISMO.
Cultura e educação do seu olhar não significam que você tenha que saber quando ela foi inventada, por quem, quais os grandes fabricantes de filmes, câmera e equipamentos, em que países estão, quem foram os grandes fotógrafos até hoje e aí por diante. Não, isso não é vestibular!
Por cultura e educação do seu olhar eu digo que é legal você saber porque Henri Cartier-Bresson se tornou Henri Cartier-Bresson. Olhe suas fotos, se quiser até leia um pouco sobre sua história, mas estude suas fotos. O que há de tão especial no jeito desse homem ver a vida ao seu redor para torná-lo uma referência mundial? Você é que vai ter que responder.
E vendo suas fotos, assim como a de inúmeros outros fotógrafos consagrados, você verá que muitas são tremidas, estão fora de foco, o filme foi revelado errado. Como que fotos tecnicamente ruins se tornaram referência a ponto de serem vendidas por milhares de dólares?? O que está sendo comprado é a imagem, o conceito, a idéia, o momento ilustrado, não uma gelatina de prata colada num papel.
Uma foto tecnicamente ruim que tenha conteúdo vale muito mais do que uma foto “perfeita” que não diz nada.
Quanto mais as pessoas entenderem isso, mais elas vão se libertar do supostamente seguro concretismo da técnica para cair na insegurança e na subjetividade da inspiração. E isso apavora muita gente. Você vai estar se expondo, expondo suas idéias a julgamento e a maioria não está preparada para isso. Acaba achando que uma crítica a uma idéia é uma rejeição pessoal. Por isso se seguram na técnica. "Essa foto está meio sem graça… " “Mas está no foco, a exposição está perfeita!” “Ah, que bom, ótimo!” Quantas vezes você já não viu diálogos assim?
O inconformismo é necessário para que você tente fazer as coisas diferentes. Chegue mais perto. Abaixe-se. Suba numa cadeira. O “será que assim…” deve ser mais praticado se você quer que suas fotos se diferenciem na paisagem. Não tenha medo de errar mas aprenda com seus erros. Aos poucos esse inconformismo vai ajudar você a desenvolver um estilo. É um processo lento mas sólido.
Tecnicamente, o seu equipamento, hoje, dá de 10 na Leica que Henri Cartier-Bresson usava. Mas o olhar dele bate o de qualquer um nesse ou em outros foruns que participo. Técnica é necessária, mas não é tudo. Não é nem 1/4.
Ansel Adams nunca teve receio de dividir seus segredos com ninguém. Muito pelo contrário. Escreveu livros contando como fez cada uma das fotos, antes de morrer doou boa parte de seus negativos originais a faculdade espalhadas pelos Estados Unidos para que estudantes de fotografia pudessem aprender ampliação a partir de um original real de um mestre. Suas fotos, embora tecnicamente perfeitas, não o tornaram conhecido por causa disso. Ele soube usar a técnica para reforçar o que queria mostrar a respeito do assunto fotografado, fossem nuvens invadindo o vale em Yosemite ou o a abstração da maré na areia das praias em Big Sur.
Sou autodidata, aprendi o que sei lendo e vendo. Teve uma época na minha vida em que cansei de ver fotografias, sentia a necessidade de ler sobre imagens, viajar em teorias. Pode parecer maluco, mas é interessante. Na época, achei uma revista - Camera & Darkroom - que, apesar de americana (americano é muito técnico e “equipamentista”), era muito boa, tinha umas discussões aprofundadas, mas sempre de forma CLARA, sobre conceitos e todo o lado subjetivo da fotografia. Foi muito bom enquanto durou… A revista acabou… Maldita economia que não permite às boas coisas sobreviver.
Os franceses são muito bons nisso, nas discussões filosóficas, em exercitar o pensamento. Tanto é que a França sempre produziu ótimos fotógrafos - nenhum deles muito técnico, curiosamente, mas todos muito expressivos. infelizmente meu francês é só o básico do básico, mas um dia eu chego lá, com um dicionário do lado a coisa vai.
Bom, já gastei muitas letrinhas, espero que alguém tenha saco de ler isso e, mais importante, considere praticar um pouquinho esse inconformismo e educação do olhar. Repensem sua relação com a fotografia. Sejam os maiores críticos das suas fotografias. Eu mesmo preciso voltar a praticar isso. Minhas últimas imagens estão muito “registro de família” apenas. Quem tiver a curiosidade de ver algumas imagens ue eu fiz, por favor acesse:
Abraço a todos,
José Azevedo
PS - Tem um DVD sobre o trabalho de Henri Cartier-Bresson ( HENRI CARTIER-BRESSON: THE IMPASSIONATE EYE) que é interessante para se conhecer ele e sua obra. São flashes de amigos e fotógrafos comentando suas imagens em meio a uma entrevista. Não é bem um documentário, mas material para se ver naqueles dias em que você está buscando inspiração. Comprei na Laserland ( www.laserland.com.br ) e custa 89 reais.
Também comprei um do William Eggleston lá, que custa 79 reais. É um documentário acompanhando ele em suas andanças em busca de imagens, em uma exposição e em uma palestra. É como se você estivesse ao seu lado, calado enquanto ele conversa com outras pessoas. Não é nada técnico, é inspiracional. Food for thoughts.
ATENÇÃO - esses dois DVDs são meio experimentais, o de William Eggleston mais ainda. Quem procura “os segredos de HCB” ou “Dicas e truques para fotografias fantásticas por William Eggleston” vai ficar decepcionado… não venham me pedir indenização depois