Pessoal, fiz uma entrevista com o fotógrafo da National Geographic Ed Kashi () sobre fotojornalismo multimídia. Ele tem experimentado diversos meios para divulgação do trabalho dele, incluindo videos e slideshows na internet. Acho que é uma ótima discussão sobre o que nos espera no futuro, e hoje mesmo. Vocês também podem ler a entrevista inteira no meu site:
Em primeiro lugar, gostaria de pedir que falasse brevemente sobre a sua vida e o seu trabalho, como começou, o que o levou ao fotojornalismo, e o que o move hoje.
ED KASHI: Eu comecei minha carreira em San Francisco [Califórnia], depois de me formar na Syracuse University, com especialização em Fotojornalismo, o que era raro em 1979. Inicialmente, trabalhei para clientes locais fazendo retratos e cobrindo eventos, mas sempre tentei me direcionar para trabalhos pessoais e, alguns anos depois, comecei a trabalhar para revistas de alcance nacional, viajando e crescendo na carreira. Mas foi só depois de começar um projeto pessoal na Irlanda do Norte, em 1988, que meu trabalho começou a se desenvolver em direção ao que eu realmente queria como fotógrafo. Sempre quis ser um contador de histórias, fazer reportagens com profundidade, sobre questões políticas e sociais. É esse tipo de envolvimento que me faz sentir vivo.
Ed, você tem experimentado novos formatos para a divulgação do seu trabalho, especialmente pela internet, como já vimos nos sites da MSNBC e da MediaStorm. Seu trabalho também já apareceu na TV e em festivais de cinema, o que parece incomum para um fotógrafo. Entretanto, há profissionais que reclamam por terem de fazer um trabalho que não seria sua especialidade (vídeo, por exemplo), e outros ainda que dizem que o fotojornalismo está morto. Também é um fato que já não há mais aquela tradição de grandes revistas publicando e bancando grandes ensaios fotojornalísticos. Baseado nessas afirmações, tenho algumas perguntas que gostaria de fazer:
O que o levou a procurar estes formatos menos tradicionais? O que o atraiu neles?
EK: Eu comecei a trabalhar com vídeo em 2000, durante o meu projeto “Aging In America”. Senti que era o momento de capturar também as vozes dos meus personagens, para adicionar camadas de sentido às imagens, enriquecendo o conteúdo final. A partir daí, comecei a colaborar com alguns websites, e passei a pensar mais nessa coisa de fotografar em sequência.
Como a internet, e a tecnologia em geral, mudou o seu modo de trabalhar no dia-a-dia? Sua mala ficou mais pesada, com mais equipamento?
EK: Minha mala ficou um pouco mais leve, sem tantos rolos de filme, mas a nova mala acaba ficando tão pesada quanto, e bem mais cara, com todo o equipamento extra que a fotografia digital exige. A distribuição pela internet revolucionou a forma como trabalho, e me permitiu alcançar um público muito maior e mais diversificado. A web também me permitiu um maior envolvimento com meu trabalho, já que o espaço não é tão limitado quanto a mídia impressa.
No podcast que George Jardine, da Adobe, fez com você recentemente, você cita uma experiência interessante que viveu enquanto cobria os colonos israelenses de Hebron. Você diz que alguns destes colonos guardavam uma cópia de uma página da internet que mostrava o seu trabalho, e que eles ficaram irritados com a forma como você os retratou. Gostaria que compartilhasse conosco um pouco dessa experiência. Como a internet afeta nosso senso de responsabilidade? Você vê alguma mudança no papel do fotojornalista no mundo devido a essa distribuição e compartilhamento massivos e globais de informação que a internet permite?
EK: Aquela experiência na Margem Ocidental [Cisjordânia] me mostrou que o mundo ficou bem menor do que antes, e você tem que ter cuidado com o que e onde publica seu trabalho, e com as pessoas que podem vê-lo. No passado, podíamos dizer aos personagens que o trabalho seria publicado fora do país deles, e que então eles não precisariam se preocupar em sofrerem consequências depois da publicação. Isso mudou, então nossa responsabilidade com aqueles que fotografamos aumentou. Devemos tomar cuidado para não os prejudicarmos por acidente. Mesmo assim, devemos continuar fazendo o nosso trabalho, e às vezes é impossível evitar ofender ou irritar nossos personagens. Isso reflete o contraste de realidades no mundo atual, muitas vezes alimentado por preconceitos antigos, falta de educação e diferenças culturais.
O que você acha que esse formato - audiovisual, interativo - acrescenta à experiência do público?
EK: Esse formato dá ao espectador uma riqueza maior de detalhes, além de ser mais convidativo. Quando você tem música, som ambiente, e as vozes reais dos personagens, a audiência ganha uma versão mais rica, mais detalhada, uma versão com mais nuances daquela realidade. Só a música mesmo já acrescenta uma dimensão que é mágica e poderosa.
Onde fica o livro nessa “nova era”? Ele ainda é relevante? E quanto às revistas?
EK: Os livros ainda são relevantes, porque continuam tendo maior valor e importância. Eles também possuem algo que chamo de materialidade (”thingness” foi a palavra original, que é um neologismo e não tem tradução imediata), além da sua existência como um objeto físico no mundo. As revistas continuam sendo importantes, mas estão perdendo espaço como modelo de negócios, devido à internet e ao vídeo.
O que continua sendo único em relação à fotografia, diferente de todos os outros meios? Que tipo de “super poder” ela tem?
EK: A fotografia tem o poder de te parar, faz você ouvir, olhar, meditar, pensar… pensar… como nenhum outro meio. Ela pode oferecer uma experiência estética e artística, e ao mesmo tempo contém informação, e uma informação comumente vista como “fato”.
“Aging in America”, seu projeto sobre idosos e saúde, foi amplamente divulgado, em vários veículos diferentes, de livro à TV, festivais de cinema e pela internet, desde que foi publicado, em 2003. Você acha que o impacto social desse trabalho foi maior devido a essa divulgação massiva?
EK: Com certeza, eu vejo o filme e a apresentação multimídia como as maiores razões para a visibilidade que o projeto teve. Mas, sem o livro, esses outros veículos poderiam não ter existido, ou não chamariam tanto a atenção. Todos foram parte de um conjunto sinérgico que é necessário no mundo de hoje se você quiser transmitir a sua mensagem.
Ficou mais fácil para jovens fotógrafos divulgarem os seus trabalhos? Algum conselho?
EK: Acho que ficou mais difícil e concorrido nos meios convencionais, mas, com a internet, nunca foi tão fácil publicar seu trabalho de forma barata e conseguir que as pessoas o vejam.
Há um texto no seu blog em que você menciona um vídeo no Youtube, que mostra um rapper curdo que usou algumas de suas fotos para ilustrar o clipe, obviamente sem a sua autorização. Como você lida com questões de direitos autorais, como essa? Com a internet, fica difícil controlar onde as suas fotos acabam sendo usadas, certo? Isso muda a forma com que você pensa o copyright? Deveríamos talvez pensar uma nova forma de legislação?
EK: Eu não fiz nada em relação àquela violação, e seria muito difícil fazer algo. Em geral, eu confio que isso não acontecerá muitas vezes. Em um certo aspecto, é uma honra ver meu material usado dessa forma, mas esse tipo de violação é uma das armadilhas da era digital.
Há uma crise em curso no fotojornalismo, ou o fotojornalismo está morto, como alguns dizem? Ou estamos num ponto em que ainda não entendemos muito bem para onde estamos indo?
EK: O fotojornalismo, em termos de volume de produção, nunca esteve tão vivo. Quem está morrendo são os veículos para divulgação desse trabalho, mas é por isso que a internet é tão importante para o crescimento contínuo dessa profissão, e desse braço do jornalismo que é vital na sociedade.
E você, para onde vai? Tem novos projetos?
EK: Eu vou seguir trabalhando com ensaios fotográficos, mas vou continuar procurando experiências multimídia, e quero continuar colaborando com a minha esposa, Julie Winokur, em filmes documentários. No fim do dia, eles estão todos conectados. Acabei de terminar um projeto na Índia, que vai ter um forte componente audiovisual para a criação de uma série para a web que deve acompanhar a história a ser publicada em revista.
Considerações finais?
EK: Quero deixar claro que sem a fotografia eu me tornaria um produtor de vídeo, e isso é o que vou sempre evitar. Meu trabalho vai sempre celebrar e ser construído sobre esse poder único que tem a fotografia.
Espero que gostem.