"Houve resistência dos funcionários à obra, e isso foi virando uma bola de neve"

Essa discussão dá pano pra manga…


[b]CCSP retira obra após reclamações de funcionários
Servidora mandou carta à prefeitura reclamando de fotografia que retrata trabalhadores como fantasmas

Obra do artista João Loureiro foi produzida e financiada pelo CCSP, ficou exposta por 2 meses e, depois, retirada pela direção

SILAS MARTÍ[/b]
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de reclamações de funcionários, que se disseram ofendidos pelo artista, a direção do Centro Cultural São Paulo decidiu retirar de uma mostra uma obra de arte que ficaria em cartaz até 29 de março. A fotografia “O Fantasma”, de João Loureiro, retrata pessoas e objetos de trabalho cobertos com lençóis brancos no setor administrativo do CCSP, onde ficou exposta até o dia 2 deste mês, quando foi retirada.
“A gente tem uma imagem de fantasma lá fora, mas trabalha muito, rala muito”, disse à Folha Rogéria Massula, 51, funcionária do CCSP que mandou uma carta à ouvidoria da prefeitura pedindo que fosse retirada a obra de Loureiro. “Achei de mau gosto, porque era a minha mesa de trabalho ali, com olhinho, boquinha. Por mais que eu queira, não dá para desconsiderar que é uma afronta contra os funcionários.”
Antes mesmo do início da mostra, em 29 de novembro do ano passado, funcionários haviam reclamado à direção do CCSP, irritados com o teor da fotografia. Na abertura da exposição, tanto o diretor da instituição, Martin Grossmann, quanto a curadora de artes visuais, Carla Zaccagnini, optaram por expor a obra.
“Houve resistência dos funcionários à obra, e isso foi virando uma bola de neve”, conta Loureiro, 36, que diz não considerar o episódio um caso de censura, embora discorde da remoção da obra. Segundo ele, que teve R$ 8.000 do CCSP para produzir a foto, alguns funcionários foram trabalhar vestidos de branco em protesto.
A curadora e o diretor do CCSP negam que houve censura. “Acho que se trataria de censura se a obra não tivesse sido realizada ou tivesse sofrido alterações por exigências externas ao trabalho. Neste caso, a obra foi realizada de acordo com o projeto do artista e esteve exposta no local por ele escolhido”, diz Zaccagnini, 35.
A curadora deixará seu cargo no CCSP no mês que vem, mas nega que seja por causa do episódio. “A minha saída, que está sendo negociada de forma a não prejudicar o projeto institucional, não tem nada de represália”, afirma a curadora.

Pressão externa
O secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil, que já dirigiu o CCSP e nomeou Martin Grossmann para a posição, confirmou, por meio de sua assessoria, que foi procurado por funcionários do CCSP.
O diretor da instituição, a curadora de artes visuais e funcionários ouvidos pela Folha negam, no entanto, que tenha havido qualquer interferência por parte do secretário da Cultura ou da prefeitura. “Não houve nenhuma pressão por parte da ouvidoria da prefeitura, tampouco da Secretaria da Cultura”, afirmou Grossmann, 48.
“Não havia nenhuma posição da Secretaria da Cultura nem da ouvidoria com relação ao conteúdo da carta”, diz Zaccagnini. “Foi por meio de uma longa discussão interna, iniciada ainda durante o processo de produção da obra [de Loureiro], que se chegou à decisão.”

Fonte: FSP - Ilustrada - 13/02/2009


Agora vou sair e depois volto para postar a outra reportagem sobre o assunto e, se encontrar, a foto também.

Para diretor do CCSP, decisão é resultado de diálogo e reflexão
DA REPORTAGEM LOCAL

Procurado pela reportagem para comentar a retirada da obra do artista João Loureiro, o diretor do Centro Cultural São Paulo, Martin Grossmann, enviou um texto em que defende que a decisão “foi resultado de um processo de diálogo, transparente, e de reflexão acerca não só da arte, mas da prática cultural institucional”.

Leia a íntegra a seguir:


“Centros culturais não são museus, são equipamentos culturais plurais. O Centro Cultural São Paulo não é qualquer centro cultural: seu projeto, sua arquitetura, sua atuação na cidade e seu uso diferem substancialmente de outros espaços semelhantes. É, talvez, o espaço cultural mais democrático da cidade.
Mais do que receber público, abriga usuários que se apropriam de seus ambientes, criam pertencimento com o local, participam ativamente. Uma verdadeira multidão (em média, 2.000 pessoas por dia) ocupa de maneira diversa as dependências de sua arquitetura aberta e transparente que estimula o livre acesso ao conhecimento e à cultura.
Mas não é só: há também um grupo de usuários formado por cerca de 450 funcionários, responsáveis por um equipamento público de 46 mil metros quadrados. De 2007 a 2008, operacionalizamos e finalizamos um processo de reforma administrativa cujo planejamento foi iniciado na gestão à frente do centro cultural do atual secretário de cultura do município, Carlos Augusto Calil (2001 a 2004).
Essa nova estrutura administrativa possibilitou, entre outros ganhos: a integração das cinco bibliotecas em torno da praça das bibliotecas; a inclusão do deficiente visual nesse ambiente com a transferência para o local da biblioteca Louis Braille; um programa modelar de acessibilidade; novas formas de mediação cultural e educativa; o primeiro serviço Wi-Fi gratuito em um equipamento cultural público; a integração da programação artística e cultural; a integração técnica dos quatro acervos (Coleção de Arte da Cidade, Arquivo Multimeios, Discoteca Oneyda Alvarenga e Missão de Pesquisas Folclóricas), bem como a implantação de um novo espaço administrativo que hoje abriga por volta de 200 funcionários.
Foi este novo espaço de trabalho que o artista João Loureiro escolheu para realizar sua obra site-specific. O convite para idealizar uma obra inédita em diálogo com as particularidades físicas, conceituais, funcionais e discursivas do centro cultural visava uma maior cumplicidade e interação entre os artistas e a instituição.
Ocorre que, por se tratar de uma obra que comenta criticamente aspectos da prática institucional, acabou provocando, nesse contexto (fora dos espaços de exposições considerados como neutros), uma série de reações ligadas ao seu conteúdo e intencionalidade.
Nomear de “fantasma” o espaço administrativo no momento em que toda a equipe vem trabalhando incansavelmente para sua revitalização, investindo todos os esforços na qualificação e expansão de sua programação e atendimento ao público, provocou uma reação adversa no seio da instituição.
Entendemos que a retirada antecipada da obra foi resultado de um processo de diálogo, transparente, e de reflexão acerca não só da arte, mas da prática cultural institucional. A obra correspondeu à proposta da curadoria e, esperamos, às intenções do artista, cumprindo assim seu propósito. A instituição também cumpriu seu papel garantindo a produção e exposição da obra, até o limite aqui exposto.”

Fonte: FSP - Ilustrada - 13/02/2009


Tentei encontrar a foto, mas não achei. Alguém consegue? :ok:

:eek:

Não sei… Levei algum tempo para formar opinião sobre o episódio, pois de antemão sou contra qquer mutilação de uma obra, desde que ela tenha qualificação para ser classificada como tal (bem, e aí cabe outra discussão gigante…). Mas vejo que neste caso o próprio autor fora comunicado e consultado e a questão era de prioridade de importância. Pois valia a pena criar uma indisposição com uma equipe (que ao que se diz vem executando um bom trabalho…) para manter uma obra até o final exposição? Quem não se sentiria ofendido sendo que sua função já é assim estigmantizada? Não sei… Acho que agiram de acordo e ninguém saiu demasiadamente ofendido com a atitude, como naquele caso das fotos censuradas pela Digipix.

Pois é Marcelo, eu também acho um assunto complicado porque envolve várias questões como o papel das instituições culturais e das políticas de cultura, a autonomia do artista diante de pressões externas como foi um dia a censura feita pelo governo e, nesse caso, são os grupos com interesses específicos.

Enfim, é um assunto de difícil compreensão justamente porque nele estão envoltos muitos elementos, cada um com uma característica específica.

Já falei aqui, em algumas ocasiões, que eu fiz uma pesquisa sobre censura nos anos 1960, 1970 e 1980.

Quando li a notícia da Digipix e agora esta sobre a foto do João Loureiro, lembrei-me de um episódio nos anos 1960 no qual os moradores do Edifício Richard, na rua Barata Ribeiro, no Rio de Janeiro, solicitaram ao chefe da censura carioca que tomasse providências no que tange à peça “Barata Ribeiro 200” que não retratava a realidade do edifício, conhecido pela má fama. O resultado disso foram cortes no texto, classificação para maiores de idade e a mudança do título para “Um edifício chamado 200”. Vale lembrar que, na época, a intervenção dos moradores mais contribuiu para a divulgação do espetáculo do que para preservar a reputação do prédio.

De todo modo, essa confusão sobre o que é censura/autocensura e o que não é, esse fantasma que ainda assombra a produção e os produtores artísticos que, por motivos diversos, sofre algum tipo de restrição, além da discussão sobre a autonomia da obra de arte diante de pressões externas e o papel das políticas culturais/instituições culturais são temas que chamam minha atenção. Além disso, qual é o papel da sociedade nesse tipo de requisição como, por exemplo, retirar um livro das livrarias como acontecia na ditadura (porque a censura de livros, diferente das demais, partia da requisição de indivíduos e grupos) ou agora a retirada de uma foto de uma galeria por solicitação dos funcionários. Lembrei-me de um caso recente do sindicato das enfermeiras que solicitou na Justiça o fim da coreografia sensual de um grupo de pagode porque julgaram que a dança denegria a imagem da categoria. Não sei que fim levou esse processo, mas, numa conversa com o Zé do Caixão, ele estava preocupado porque seu novo filme tinha enfermeiras também.

Mas enfim, estou reunindo esse material, quem sabe um dia, com tempo, sem outras preocupações e sem preguiça, me debruce sobre ele, até para organizar as idéias.


Rogério:
Acho que sua mensagem ficou cortada, além de aparecer numa caixa de texto como sendo minha. :ok:

Neste episodio da retirada da foto, creio que a causa da indignação por parte dos funcionários do CCSP se deu mais pelo título, que pela cena ali retratada.

Analisando o caso, conforme traz a notícia, ou seja, sem ouvir as partes envolvidas; também não sou favorável a uma imagem intitulada que dê uma má conotação à categoria dos Servidores Públicos, sejam Municipais ou das outras duas esferas de governo.

O título “Os Fantasmas” de regra geral, não atenta contra a categoria, mas creio que houve alguma explicação para que a imagem aliasse as pessoas fotografadas sob um lençol branco aos Servidores do CCSP, digo isto, pois, não temos a foto protagonista desta discussão.

É cediço,que há no Serviço Público em geral falhas, como aliás, estas também existem na iniciativa privada e em ambos os casos devem ser corrigidas, mas como todos devem se recordar, há alguns anos neste País houve uma verdadeira caçada a Servidores Públicos que recebiam seus vencimentos e nunca compareceram nas repartições públicas em que eram lotados. Destarte, os Servidores do CCSP que, conheço alguns, trabalham muito para tentar alavancar a cultura nesta Cidade de São Paulo.

Muito se fala que o Servidor Público é o câncer da economia brasileira, “nós é que afundamos este país”, mas certamente os desvios de “rios-de-dinheiro” não é executado pela grande maioria que ganha muito pouco e trabalha muito como qualquer outro trabalhador da iniciativa privada.

Outra questão que muito é debatida e quando acontece algo como o fato em tela, muitos em altos gritos saem pregando que a censura voltou, uma coisa é censurar sem critérios, como no período da ditadura ela foi implementada, outra coisa é censurar porque o texto, o filme, a fotografia etc, fere a dignidade das pessoas ou como neste caso, fere a dignidade de trabalhadores, ambos, os trabalhadores e as pessoas que em certos momentos se confundem, tem seus direitos assegurados em Leis, em Convenções Internacionais onde o Brasil é depositário, não importa se a categoria insultada foi de Servidores Públicos, lixeiros ou fotógrafos, todos tem direitos e devem também se curvar aos seus deveres legais, o que significa dizer que todos tem direitos e deveres, a um todos tem direito a dignidade como pessoa e como trabalhador, a dois todos devem não infringir as Leis, mormente as que protegem a dignidade das pessoas e dos trabalhadores, então, não se pode invocar que a censura deve ser banida do Ordenamento jurídico deste país pelo simples fato que outrora ela fora utilizada de maneira errônea, naquele tempo ela fora aplicada por força de uma ditadura, hoje, porém, se se banir este instituto jurídico, corre-se o risco de inventar uma nova forma ditatorial, a da liberdade sem regras, é de se lembrar que não existe sociedade sem Direito.

Esta minha inserção, como muitos devem ter notado, deve-se ao fato de eu também ser um Servidor Público, não do município, mas como tal, nestes assuntos não cabe a discussão da tripartição dos Poderes, todos somos Servidores Públicos e, assim, fica muito difícil negar razão aos Servidores daquele órgão, aos que rendo meus cumprimentos e orgulho.

Abraços

Ricardo B. Lou

http://www.centrocultural.sp.gov.br/imagens/joaoloureiro.jpg

Encontrei a foto no Multiply “Croqui de luz”, do Fernando Aznar: http://feaznar.multiply.com/journal/item/393/O_Fantasma_deletado?replies_read=1
A matéria está no site do CCSP: http://www.centrocultural.sp.gov.br/informativo_joaoloureiro.asp

http://img171.imageshack.us/img171/6243/ofantasmalk1.jpg

Foto: Folha online - divulgação

Ainda que a foto, num primeiro momento não agrega imagens de Servidores, mas por ter sido feita na área administrativa do CCSP ela conduz a mácula de que quem ali labora com seriedade, poderá ser ligado aos Servidores Fantasmas que já foi objeto de muita notícia neste país, o que, com efeito, traz dissabores à classe de Servidores Públicos.

Um ponto que me chama muito a atenção é, por que foi autorizado pelo Diretor do CCSP que o fotográfo fizesse uma foto nestas condições? Será que com esta atitude e depois com a polêmica gerada, não faz parte de uma estratégia de marketing para sua auto promoção e do fotográfo?

É de se pensar…