Ivan, li o seu post depois do almoço. E nesse clima escrevi algumas considerações digestivas (!). Não sabia da origem da palavra “silhueta”. Abraço.
Estava lendo a introdução do E. H. Gombrich ao “Tête à Tête” do Cartier-Bresson e algumas questões são bem interessantes. Ele fala sobre o mistério existente na obtenção de semelhança no retrato seja qual for o meio de representação (escultura, pintura, fotografia, etc). “Afinal de contas, a impressão de vida costuma situar-se no movimento. Como, portanto, é possível haver imagens que nos dão a impressão de estar frente a frente com uma pessoa real […]?" De acordo com Gombrich, o aspecto da pessoa retratada, da maneira como foi registrado, só pode ser mantido por um breve instante. “No momento imediatamente posterior, eles talvez tenham desviado o olhar, virado ou inclinado a cabeça, erguido as sobrancelhas ou baixado as pálpebras, enrugado a testa ou franzido o lábio, e cada um desses movimentos teria afetado radicalmente suas expressões.”
Para Gombrich, a linguagem verbal é incapaz de descrever todas as nuances de fisionomia provocadas pelos movimentos dos músculos faciais. Isto acontece porque julgamos uma fisionomia de forma global e não por movimentos isolados. Um sorriso pode ser sarcástico ou amigável, cínico ou sincero. Mas o sorriso por si só não nos indica o seu próprio sentido. O sentido é dado pelas RELAÇÕES entre os movimentos: sorriso combinado com sobrancelhas arqueadas, por exemplo.
Julgamos um retrato como SEMELHANTE quando reconhecemos a expressão global registrada como pertencente ao repertório da pessoa que conhecemos.
Curiosamente, a fotografia instantânea não facilitou a “representação semelhante”. Pelo contrário, a exatidão “em frações de segundo” do registro fotográfico torna mais difícil a criação de uma imagem convincente. O momento exato congelado nem sempre corresponde a uma expressão global que reconhecemos como pertencente ao modelo. Não por acaso, uma grande quantidade de pessoas detesta se ver em fotografias. Na frente do espelho, escreve Gombrich, costumamos fazer a cara que mais nos agrada. Mas a fotografia frequentemente nos trai, apresentando uma expressão da qual sequer suspeitávamos.
Segundo Gombrich, os desenhos feitos por Bresson mostram que ele era “um explorador ardoroso da paisagem variada do rosto humano”. Mas não basta conhecer bem a paisagem variada do rosto humano. É preciso ter a sensibilidade e o tino de reconhecer o momento exato de fazer a exposição para congelar a expressão reveladora da personalidade do modelo. Bresson era mestre nesse ofício (muitos fotógrafos, de acordo com Gombrich, fazem uma grande quantidade de fotos e depois selecionam as mais apropriadas. Atualmente esse procedimento é facilitado pelas digitais, mas o texto é do tempo do filme).
No final das contas, cada meio tem as suas características, a sua gramática, a sua linguagem. O objetivo é o mesmo: representar a realidade de uma forma adequada segundo critérios determinados. Talvez uma das grandes diferenças seja a quantidade de informações ou sinais que cada meio é capaz de processar. A SILHUETA é simples nesse aspecto, com pouquíssimos sinais, constrói-se a representação. Quando esses sinais estão de acordo – são coerentes - com as regras da percepção, a representação será convincente.
A fotografia parece a muitos como o meio mais fácil já que não é preciso fazer nada além de olhar, apontar e clicar. Mas esse pensamento é um engano. Por ser um meio que tem como característica o registro automático de uma grande quantidade de informações, acaba sendo tão ou mais difícil do que outros. Desde que alguém aprenda as técnicas da pintura realista, pode representar uma paisagem com uma certa facilidade. Compor uma boa foto de uma paisagem, no entanto, é uma arte que não se esgota com o domínio técnico do equipamento. É preciso saber o que fazer com o excesso de informações que a câmera é capaz de registrar.