Peter Kropotkin sobre Qualidade artistica e necessidade da arte.

"E a arte? De todos os lados ouvimos lamentações sobre a decadência da arte. Estamos, de fato, muito atrás dos grandes mestres do Renascimento. Os aspectos técnicos da arte recentemente fizeram um grande progresso; milhares de pessoas dotadas de uma certa quantidade de talento cultivam cada ramo, mas a arte parece fugir da civilização! Os detalhes técnicos avançam, mas a inspiração frequenta os estúdios dos artistas menos do que nunca.

De onde, de fato, deveria vir? Somente uma grande ideia pode inspirar arte. A arte está em nosso sinônimo ideal de criação, deve olhar para a frente; mas, salvo algumas raras, raríssimas exceções, o artista profissional permanece filisteu demais para perceber novos horizontes.

Além disso, essa inspiração não pode vir de livros; deve ser tirado da vida, e a sociedade atual não pode despertá-lo. Raphael e Murillo pintaram em um momento em que a busca de um novo ideal poderia se adaptar às antigas tradições religiosas. Eles pintaram para decorar grandes igrejas que representaram o trabalho piedoso de várias gerações. A basílica com seus misterios e grandeza estava ligada à própria vida da cidade e inspirou um pintor. Ele trabalhou para um monumento popular; ele falou com seus concidadãos e em troca recebeu inspiração; apelou para a multidão da mesma maneira que os pilares, as janelas manchadas, as estátuas e as portas esculpidas. Hoje a maior honra que um pintor pode aspirar é ver sua tela, emoldurada em madeira dourada, pendurada em um museu, uma espécie de velha loja de curiosidades, onde se vê, como no Prado, a Ascensão de Murillo ao lado de um mendigo de Velásquez e os cães de Philip II. Pobre Velásquez e pobre Murillo! Pobres estátuas gregas que viviam na Acrópole de suas cidades e agora estão sufocadas sob as cortinas de tecido vermelho do Louvre!

Quando um escultor grego cinzelou seu mármore, ele se esforçou para expressar o espírito e o coração da cidade. Todas as suas paixões, todas as suas tradições de glória, deviam viver novamente no trabalho. Mas hoje a cidade unida deixou de existir; não há mais comunhão de idéias. A cidade é um aglomerado fortuito de gente que não se conhece, que não tem interesse comum, a não ser o de enriquecer às custas uns dos outros. A pátria não existe … Que pátria o banqueiro internacional e o catador de lixo podem ter em comum? Somente quando cidades, territórios, nações ou grupos de nações tiverem renovado sua vida harmoniosa, a arte poderá inspirar-se em ideais comuns. Então, o arquiteto conceberá o monumento da cidade, que não será mais um templo, uma prisão ou uma fortaleza; então o pintor, o escultor, o entalhador, o ornamentista saberão onde colocar suas telas, suas estátuas e suas decorações; derivando seu poder de execução da mesma fonte vital, e gloriosamente marchando todos juntos em direção ao futuro.

Mas até então a arte só pode vegetar. As melhores telas dos artistas modernos são aquelas que representam a natureza, as aldeias, os vales, o mar com seus perigos, a montanha com seus esplendores. Mas como pode o pintor exprimir a poesia da obra no campo se a contemplou, a imaginou, se nunca a deleitou, só a conhece como um pássaro de passagem conhece a pátria que percorre nas suas migrações? Se, no vigor da primeira juventude, ele não seguiu o arado de madrugada e gostou de cortar a grama com uma larga faixa de foice ao lado de resistentes fenos competindo em energia com garotas animadas que enchem o ar com suas canções? O amor pela terra e por tudo o que nela cresce não se adquire desenhando com um pincel - está apenas a seu serviço; e sem amar, como pintar? É por isso que tudo o que os melhores pintores produziram nessa direção ainda é tão imperfeito, não é fiel à vida, quase sempre meramente sentimental. Não é forçado.

Você deve ter visto um pôr do sol ao retornar do trabalho. Você deve ter sido um camponês entre os camponeses para manter o esplendor disso em seus olhos. Você deve ter estado no mar com pescadores a todas as horas do dia e da noite, pescou você mesmo, lutou com as ondas, enfrentou a tempestade e, após um trabalho árduo, experimentou a alegria de puxar uma rede pesada, ou a decepção de vê-la vazia, para entender a poesia da pesca. Você deve ter passado um tempo em uma fábrica, conhecido as fadigas e as alegrias do trabalho criativo, metais forjados pela luz viva de um alto-forno, ter sentido a vida em uma máquina, para compreender o poder do homem e expressá-lo em um trabalho de arte. Você deve, de fato, estar impregnado de sentimentos populares, para descrevê-los."

Peter Kropotkin em “A Comquista do Pao” (1892).

Para quem nao conhece, Kropotkin era filho de um senhor feudal com 20 servos. Ele abandonou a vida privilegiada dele focado no movimento anarquista.
Essa obra eh um classico do anarco-comunismo. Ela apresenta critica sociedade feudal, a sociedade capitalista como tambem ao comunismo colletivista (Marx, Ricardo, Bukunin, etc).
No livro Kropotkin preveu muitas das falhas socialistas que aconteceram na revolucao russa, como tambem da “escravidao” da mulher no trabalho domestico, entre outras coisas.

Eu trouxe essa passagem do livro aqui pq trata exatamente das questoes que abordamos em outros topicos, como o “olhar para dentro”, “sentir o corpo”, “fotografar o que nao se ve”, a questao da diferenca entre preferencia e qualidade em “tecnicalidade”, a questao da qualidade e “curadoria das regras artisticas” e por ultimo, a questao da origem do termo Original nas obras de arte.

E é possível produzir grandes obras sem nunca ter vivenciado a mesma experiência, vc pode encontrar inspiração vendo a obra de outros artistas, como dança, teatro, indo a exposições, etc

Acho que tudo depende da sua capacidade de interpretação, vc pode não trabalhar nos campos, mas pode se inspirar e se emocionar pelo duro trabalho deles.

Quando Goya fez as gravuras “Os Desastres da Guerra” ele não vivenciou as batalhas, ele nem morava na região, mas o que ele viu em sua viagem de uma semana por Saragoça, o inspirou a fazer um trabalho magnífico.

Degas tbm não dançava, mas os quadros dele sobre as bailarinas é belíssimo.

Eu sei que Ernest Hemingway gostava de pescar, as acho que ele nunca enfrentou uma luta como a descrita no livro “O Velho e o Mar” e ainda assim é uma obra prima.

Bem, esses ultimos topicos estao muito interessantes, e proponho que a discussao sobreponha perspectivas sem anular nenhuma colocacao, pois faz tempo que percebo um vicio muito popular na fotografia, colocar se como contrario. É mais interessante ver como contribuicoes ao forum falo isso, porque tudo esta muito mais interessante. Valeu!!!

Vc nao entendeu. Nao eh possivel pq essas grandes obras nao sao meramente sobre os trabalhadores, sobre o campo, sobre a arquitetura. O que ele esta dizendo eh que tais obras de arte nao sao mera representacoes. Essas obras fazem parte de tais locais e cultura. Essas obras sao experiencias locais e da populacao local.

Algo semelhante com hoje seria comparar quem faz foto de rua vivendo na rua e quem faz foto de rua apenas como exercicio de final de semana por algumas horas. No primeiro o fotografo esta mostrando sua experiencia e tal experiencia e a expressao na foto. Ao conversar com as pessoas da rua ele conhece a realidade dela e assim expressa essa realidade que conhece das pessoas. A foto entao pertence a tal local.

No segundo caso o fotografo eh um turista, com olhar de turista e esperiencias de turistas, e a foto dele pode ate mostrar o mendigo com frio mas nao expressa a experiencia do fotografo em passar o frio ou sentir o frio que o mendigo sofre. Apenas ve, acha interessante e vai embora sem ouvir o mendigo dizer sobre o frio que ele esta passando. Sem sentir a dor na voz dele. A foto entao nao pertence ao local mas eh extreno a tal local.

Degas nao dancava mas ele vivia dentro das salas e com as dancarinas.

Ja Goya, ate onde eu estou informado, ninguem sabe onde ele esteve na guerra. O certo eh que ele esteve entre os corpos e destruicao, ele viu e conviceu com os feridos da guerra.

Emile Zola, por exemplo, passava dias nas minas de carvao convivendo com os mineiros para escrever as obras dele. Ele nao trabalhava na mina de carvao mas ele coletou as experiencias, narrativas, perspectivas, sentimentos e sofrimentos fisicos das pessoas para criar uma obra que refletisse a experiencia do local. Ele conviveu o local para criar uma obra que pertence ao local.

Lembrando tambem que esse eh o motivo que a maneira que vemos e interpretamos as obras da idede idade classica, media e renascentista hoje eh de uma maneira que nunca foiram vistas em suas respectivas epocas. Essas obras em museus sao iguais corpos mutilados. Tais obras foram feitas para serem vistas como uma parte do total do local em que foram desiginadas suas criacoes.

Hoje vemos tais hobras no museu como se elas se limitasse as suas molduras e paginas. Sem conhecer e experienciar o ambiente que tais obras foram feitas para enaltecer.

interessante a sua resposta, parece que vc mudou de opinião, eu me lembrei do seu post nesse topico

“Deram 100 máquinas fotográficas a diferentes mendigos e pediram que eles registrassem apenas o mais importante”

Eu nao consigo ver onde vc enxerga opinioes opostas ai… Eu vejo que a opiniao continua exatamente a mesma.

Eu nunca falei que ser morador de rua basta para se tornar um bom fotografo. Eu mesmo falo na citacao que eles se expressariam melhor gravando audio do que fotografando.

Morar na rua nao torna ninguem em um fotografo no momento que segurar uma camera.

Fotografos documentaristas passam anos e anos imersos no assunto de seus interesses.

Pois eh.

Bons atores tambem fazem o mesmo. Para melhor entender e assim incorporar e expressar um personagem, eles buscam passar um tempo com pessoas a quem o pesonagem que vao retratar representam (viciado, mendigo, fazendeiro, atleta, comerciante, dancarino, etc).

Bons atores sao os que realmente se tornam seus personagens e nao os que meramente atuam personagens.

Podemos pegar o exemplo da literatura novamente. Eu ja mencinei antes que quando perguntaram ao Flauber quem era a Madame Bovary o autor disse que era ele mesmo. No sentido de que ele se tornou o personagem e assim a obra passou a ser sobre ele, e nao uma mera representacao/drescricao de um personagem. E se vcs pegarem escritores em geral eh isso, eles falam que o personagem que eles screvem vive dentro deles.

Cara, voce é deprimente.

Nao é o que voce quer Ernesto?
Criticar e arruinar. Voce consegue.
Se orgulhe ! Nao veja como ofensa.
Voce conseguiu. Parabens!

Fotografia é o modo como voce ve o valor dos outros, dos fatos.

Sim, voce pode banalisar qualquer area da fotografia se voce quiser, e os sentimentos que voce ira criar ao redor de si serao reais e lhe afastarao seu interesse por aquela area. (Mas nao sao a realidade absoluta, algo que acredito que nao temos acesso.) Nesse sentido, nossa cabeca nos engana, uma hora nos encontramos com pessoas, situacoes e sentimentos que mostram outros modos de ver. Mas voce pode ter o seu gosto, e respeito. Apenas nao é algo absoluto.

Pq ao longo do seculo os pintores tinham como clientes apenas nobres e aristocratas e o mercado era protegido por guildas. Umas vez que a atividade eh popularizada para um publico mais abrangente, para uma finalidade mais abrangente e acessivel por pessoas mais abrangentes, as pessoas comecam crear baseado no que esta em volta delas, e nao ao que esta em volta dos aristocratas e propaganda politica.

No entanto tem muitas pinturas ao longo do seculos que tratam de temas tristes. Guerras, mortes, fome, pecados, etc.

Artemisia, por exemplo, ja pintava sobre a repressao da mulher e os abusos sexuais dos homens sobre as mulheres. Ai tambem tem Caravaggio entre outros.

Pinturas mostrando sofrimentos e trsitesa de Rafael:
https://www.google.com/search?q=raphael+suffering+painting

de Titian:
https://www.google.com/search?q=titian+suffering+painting

Na verdade sempre foi assim. A foto em preto e branco eh para a fotografia o carvao, grafite, etc que eh para o desenho e pintura.

As pinturas cheias de cores vibrantes, contrastes nitidos entre formas e claras sempre foram pinturas destinadas para propaganda. Todas essas pinturas em igrejas renascentitas, por exemplo, foram financiados por familias de politicos como forma de propaganda politica. Outras feitas de forma privada para familias de comerciantes, para celebrar a riqueza delas.

Ja pinturas menos ricas em cores, menos definocao de formas e com mais contraste de luz e sombras, sempre foi considerado o mais artistico, o mais expressivo, etc.

Quem um exemplo disso de um mesmo pintor, pegue os autos retratos de Rembrandt e compare os da epoca que ele era jovem e rico com os que ele era velho e pobre.

https://www.wallraf.museum/en/collections/baroque/masterpieces/rembrandt-harmenz-van-rijn-self-portrait-c-1668/the-highlight/

Sim e desde o renascimento o pintor aprroximou se mais da intelectualidade.

História da Arte: Linha do tempo - Renascimento ao Romantismo | PPT

Existem politicos que nao gostam, e fotografos também. Nao acredito que seja facil para um fotografo psicologicamente lidar com as contradicoes de registrar uma desgraca. E ai eu acredito que conta muito com o compromisso e honestidade do fotografo, do jornal. Do editor.

Eu diria que ambas podem e devem ser feitas e tudo que é fotografado pode ter conflito de interesse.

Porque não gostamos de algum tipo de expressão de um artista não significa que não podemos classificar aquilo como arte arte.
A arte não deve ser necessariamente bela ou agradável a todos.
Muitas vezes não o é, mas continua sendo arte.
Embora seja apaixonado por música clássica, muitas peças e autores compuseram musicas absolutamente tristes, depressivas, que geralmente não gosto de ouvir, mas é arte da mesma forma.
Apenas aquela peça não me agrada.

Que beleza de definição!
É exatamente assim que eu enxergo.

Arte envolve mais expressao, e fotografia comunicacao, mas acredito que algumas fotografias se aproximam mais da arte, da expressao, outras um pouco menos, muda um pouco a turma envolvida, e a percepcao. O que nao tira o valor, mas tem coisas um pouco diferentes. Mas a literatura também é arte. Concordo que algumas coisas sao dificeis de atingir, e que bom que sao.

A explicacao ja dei. Basta querer ler.
E teve muita pobreza, gente suja e mau arrumada nas pinturas passadas sim. Veja os links que mandei.

Sim, vc tratou de dois assuntos e ambos foram abosrdados distintamente.