Leandro;
O Fespo é meu amigo, ótimo sujeito, tem uma maneira de fotografar bastante característica e é um bom fotógrafo com grande domínio técnico e enorme experiência, mas não posso, mesmo considerando os deveres da amizade, compará-lo aos da fina flor da fotografia.
As fotos que você mostrou são, digamos, “domesticadas”. São todas de viés muito conservador e diluídas, meramente fotos para mostrar moda, mulheres ou coisa assim. São bem feitas, mas nada além de fotos comerciais sem muita criatividade.
A do Junior Franch, é uma apropriação de um estilo mais livre, domesticado para ficar gostável pela dondoca que compra roupas. Isso é criatividade? Não, Leandro, isso é copiar idéias de revistas estrangeiras ou dos caras realmente bons e misturar com água e açucar para não ofender o gosto das mulheres da classe média-alta, geralmente de gosto conservadoríssimo. Chama-se aqui copiar idéias de “criatividade”.
Mas vamos o outro ponto, que é mais interessante.
Vejamos. Enquanto algumas pessoas estudam engenharia, medicina ou economia, outras passam a vida estudando História da Arte, Estética, Teoria da Arte e passam a vida toda buscando conhecer arte, cursam escolas de Belas Artes, etc. Essas pessoas adquirem com o tempo uma noção do que aconteceu e do que acontece no territorio da arte, e ganha um poder de análise sobre o assunto da mesma maneira que um economista aprende a analisar os cenários econômicos. Alguns nunca foram a uma escola de Belas Artes, mas passaram toda a vida envolvidos com isso, lêem a respeito, freqüentam quase cotidianamente mostras, etc.
Pois bem, essas pessoas começam a trabalhar no campo da arte e vão ocupando funções de curadores (selecionadores e organizadores de mostras), marchands (negociantes e representandes comerciais de artistas), críticos de arte, colecionadores de arte, etc. Veja, eu falo de artes plasticas em geral, mas existe um segmento disso voltado para a fotografia. Esse gurpo de pessoas, conhecendo não apenas a história mas os problemas que a arte se coloca a cada época, é um filtro. Um filtro que tem o poder de legitimar a produção de alguém como arte. Não é subjetivo. É intersubjetivo, isto é: é um grupo humano mais ou menos definido e com valores alinhados (mais ou menos alinhados). Esse grupo humano, não de forma totalmente isenta, é claro, pois tudo que é humano tem variações de simpatia, amizade e interesse, legitima a produção daqueles cuja obra tenha característica de inovação associada à estética e, principalmente, a obra referente aos problemas estéticos do tempo. Esse grupo valida tais obras e as torna mercadorias de arte, e assim fazendo as torna colecionáveis e com valor de mercado. A questão da época é importante, porque a Mona Lisa não seria validada hoje. Ela é validade na História da Arte devido ao valor estético e a ser marco das questões estéticas do Renascimento.
Um artista para ser validado não o será apenas por uma obra, mas pelo desenvolvimento de uma identidade dentro do que faz e essa identidade deve ter importância no processo da arte.
Não é uma foto bonita. Fotos bonitas existem aos baldes, e isso não significa nada.
Quando o sistema valida alguém, ele está reconhecendo criatividade-coragem daquele produtor é relevante, faz diferença, muda o cenário. Compare as fotos do Helmut Newton com essas que você me mostrou… O Helmut Newton mudou o cenário, mudou o paradigma de uma foto de moda. Essas fotos que você me mostrou, mudam o quê? Nada. Elas não fazem diferença alguma no mundo, podem existir ou não e nenhuma diferença fazem para o cenário da fotografia.
O ponto que eu defendo aqui, Leandro, é o seguinte. Se a pessoa empregar seu tempo para inteirar-se das questões da arte (na fotografia e em geral) ela mudará seus parâmetros de comparação, terá metas mais elevadas, etc. Isso faz diferença. Faz muito mais diferença que a lente.
Mostrei uma foto do LaChapelle com problemas de nitidez evidentes. Importa a lente que a fez? Quase nada. Agora, importa a concepção mental que a governou? Tudo. Quando você vai olhar as fotos dos grande o que encontra é concepção mental. As lentes apenas ajudam.
Aqui neste tópico tenho de falar isso, que é óbvio, porque criatividade está sendo confundida com poder fotografar usando um ponto a mais de abertura. Criatividade é coragem.